Como o nome do programa é Ciência sem Fronteiras, nada melhor do que falar sobre ciência aqui neste blog (já que sobre viver sem fronteiras já está sendo muito bem discutido). Primeiro, quando se pensa em fazer ciência, mesmo quando se tenta pensar em qualquer campo científico (incluindo ciências humanas rs), pensamos em muitas, mas, muitas pessoas trabalhando, pesquisando, publicando artigos, produzindo novos conhecimentos, reafirmando ou testando antigas hipóteses. O que é verdade sob um certo ponto de vista. Mas nem tanto se vc pensar em um país como o Brasil, por exemplo. Em franca expansão econômica, mas ainda atrasado no quesito educação, ciência e tecnologia. Infelizmente, quem se interessa por pesquisa no Brasil é tratado, muitas vezes, como se fosse uma criatura de outro planeta. Lembro até de uma comunidade no Orkut que traduzia bem o sentimento: “não sou cdf, vc é que é burro”.
Iniciativas como o Ciência sem fronteiras, vêm tentar a médio/longo prazo reverter essa situação. É uma forma de produzir mais cientistas brasileiros de boa qualidade, espécime rara no mundo científico. Vejo isso pela minha experiência. Sou de universidade pequena, sem expressão alguma mesmo em cenário nacional. Quando fiz o curso de verão de fisiologia na USP, achei o máximo ficar um mês no Butantã acompanhando a rotina de alguns labs no departamento de fisiologia do ICB (instituto de ciências biomédicas). Aí hoje, quando visitei o UQ Diamantina Research foundation no PA hospital (Princess Alexandra Hospital), eu morri. Tirei foto do microscópio confocal de meio milhão de dólares (parecia melhor do que o da USP lol), os labs eram lindos e absolutos e a estrutura, meeeeeeoo Deus, nem se fala… E isso é somente um dos centros de pesquisa vinculados a UQ. A universidade tem o IMB (Intitute of molecular bioscience), a parceria com o Greenslopes Private Hospital e Galipolli Foundation (onde faço a pesquisa de hepato) , Queensland Brain Institute, Queensland Institute of medical reasearch, Mater Medical Research Institute, Queensland Biosciences Precinct, entre outros (só pra citar na área de saúde). Isso porque a Austrália também é um país em desenvolvimento, com uma história recente, também colonizado (era colônia penitenciária dos britânicos) e não figura como top dos tops do mundo.
E eu no meio desse contexto todo… Vamos ver: faço medicina, o que normalmente não implica em pesquisa. A falta de formação científica nos currículos de medicina Brasil afora, de maneira geral, é tão gritante que estamos formando médicos tapados que realmente leem a parte de ciência/saúde da Veja e ainda discutem (sim, mais comum do que vcs pensam). Ou seja, o que acontece normalmente é que o ciclo básico é negligenciado, enquanto os preparatórios para residência, os med cursos da vida, ganham espaço com seus macetes e fórmulas mágicas. É triste quando vejo os colegas de curso somente interessados em se formar de qualquer maneira e ganhar dinheiro. Mas os médicos em formação se esquecem que um bom entendimento patofisiológico é fundamental para compreender a clínica, mesmo que o sujeito diga que odeia pesquisa.
Mas voltando ao meu caso. Além de fazer medicina, faço em universidade pequena, curso novo e região que ainda carece de investimento. O reflexo disso no campo científico é falta de especialistas e de infra estrutura, que são componentes essenciais. Acho importante quando vejo muitos pesquisadores da UFAC se concentrando na saúde pública, na epidemiologia de doenças infecciosas e prevalentes na região, na gestão em saúde… Mas, let’s face it: são todos campos que não carecem de alto investimento. Com pouco dinheiro se faz um bom inquérito epidemiológico. Agora, quando se fala em pesquisa de alto orçamento, como, por exemplo, desenvolvimento de novas drogas, a coisa fica complicada. Na Amazônia, bioma que abriga uma grande biodiversidade, o que poderia ser promissor para a criação de novos fármacos, simplesmente não tem seu potencial explorado a altura. É um ciclo vicioso, onde a falta de especialista e conhecimento leva a falta de investimento em infra estrutura, que, por sua vez, não atrai o know-how. Isto apenas para citar uma aplicação um pouco mais palpável do contexto.
Aí, depois de tudo isso, a autora deste blog, resolve enfiar na cabeça que quer pesquisa, que quer fazer parte nem que seja de meio metro quadrado na grande fazenda da ciência (gostaram da metáfora?hahaha). E o pior: não sabe a área. E nem se vai se dedicar parcialmente ou vai abandonar a clínica de vez.
Eu pensava que já tinha feito de tudo um pouco nesse meu tempo na faculdade. De 2008 pra cá, já fiz trabalho sobre parada cardiorrespiratória, emergências, discurso do sujeito coletivo (método qualiquanti), saúde coletiva, hepatite, esteatose hepática… Mas conversando com Magdeline, que fez o trabalho em grupo de neuro comigo, descobri que eu não sou tão doida como pensava. Ela já é formada em Biotecnologia na Malásia e veio pra Austrália fazer ciências biomédicas (Biomedicina, que é o curso que faço aqui). Como ela conseguiu aproveitar créditos do curso anterior, ela disse que começou a fazer disciplina optativa em tudo quanto é curso da UQ, até História da Civilização Maia e Arqueologia. Parece absurdo, mas as justificativas são boas: não ficar presa a ciência, exercitar os dois lados do cérebro, oportunidade de aprender outra cultura, aprender a escrever de maneira diferente. A pesquisa atual dela é em canais de potássio como alvos para tratamento de câncer, mas o projeto dos sonhos é trabalhar com dor. Meio parecido comigo agora, que faço pesquisa em hepatologia, mas penso em câncer. A diferença é que aqui o aluno interessado consegue trabalhar com o que quiser, e, no caso da UFAC, fica só no interesse mesmo.
O que me leva a pensar: 1 ano e meio para a formatura e ainda não descobri qual é minha praia na ciência. Fiz muita coisa na faculdade (não tanto quanto a doida da Magdeline) e não me foquei em nada (e será que deveria?). Mais uma coisa é certa: agradeço ao CNPq/presidente Dilma todos os dias pela oportunidade, que mesmo que não me leve a respostas, mas que, pelo menos, me faça fazer mais perguntas. Até porque, no fim, não existe certeza absoluta na ciência.
Uma das alunas de PHD no microscópio confocal
Uma das bancadas do lab de oncogênese do UQ Diamantina Research Foundation
Link com mais informações sobre research na UQ: http://www.uq.edu.au/research/
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